terça-feira, 9 de agosto de 2011

Zé Dirceu entrevista José Sérgio Gabrielli


Image"Não há desafio que a Petrobras não possa superar"

À frente da 34ª empresa do mundo – segundo o ranking da 500 maiores companhias da revista Fortune – o economista e professor baiano Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras desde 2005, é um homem confiante. Para ele, não há desafio que a Petrobras não possa superar. Com um faturamento anual superior a R$ 213 bi e um lucro líquido anual que excede os R$ 35 bi, a empresa acaba de divulgar o seu plano de investimentos 2011-2015. Ele está cotado em dólares. Serão US$ 224,7 bi  desembolsados para dar forma a 688 projetos. Um dos maiores planos de investimentos em curso no mundo.

Números tão gigantes parecem não impressioná-lo. Em entrevista exclusiva para este blog, Gabrielli ressalta que o momento da empresa é extraordinário, pois representa uma transição sem precedentes. A estatal  se prepara para, em breve, dar conta dos novos contratos do pré-sal, os quais deverão financiar, por meio do fundo do petróleo, um grande salto na Educação e na pesquisa e inovação do país.

Enquanto o novo marco regulatório do petróleo não se materializa, a Petrobras trabalha – a todo vapor – para dar conta dos contratos “velhos”. E trata de aprender e dominar a tecnologia da fantástica fronteira que o pré-sal representa. Segundo Gabrielli, nenhuma empresa no mundo descobriu tanto petróleo novo como a Petrobras. Isso porque a fronteira do petróleo novo está nas águas profundas. Nos últimos cinco anos, metade das novas descobertas no mundo se deu em águas profundas. Nestas,  a Petrobras foi responsável por 62% das descobertas. Sem temer o atual ritmo de investimentos, esse executivo promete: “em 2020 a Petrobras estará produzindo 4,9 milhões de barris por dia”. Em outras palavras, a empresa terá condições de exportar - entre petróleo e derivados - mais de 2,3 milhões de barris por dia. O volume equivale a mais do que o total da produção brasileira hoje.

Confira, a seguir, o que este brasileiro tem a dizer a partir da posição ímpar que lhe cabe, presidindo a quarta empresa de energia do mundo.

[Zé Dirceu] Ao invés de falarmos apenas do Plano de investimentos em si, a idéia é conversarmos sobre o significado político do momento atual da Petrobras. O que representa esse plano diante do novo modelo de petróleo no Brasil em que os rendimentos devem voltar à sociedade na forma de educação e tecnologia?

[José Sérgio Gabrielli] Quando o governo brasileiro apresentou uma reformulação do marco regulatório o fez para os contratos das “áreas novas”. Na verdade, nenhuma das áreas  previstas pelo novo marco regulatório está neste plano de investimentos da Petrobras. Mas, quando o governo brasileiro colocar (para a exploração) as novas áreas, pela nova regulação, a Petrobras será a operadora única no modelo de partilha, com um mínimo de 30% dessas  novas áreas.

Já aprendemos muito com a Bacia de Campos. Agora, na Bacia de Santos, saímos do pós- sal para o pré-sal. Portanto, estamos aumentando o nosso conhecimento. Esse plano é extremamente importante porque a Petrobras, com base nas concessões existentes, vai aumentar o seu investimento no pré-sal. A Petrobras vai construir a infraestrutura e aumentar o conhecimento de como estes reservatórios se comportam. E, ao fazê-lo, a companhia está dizendo de forma muito clara que está confiante na sua potencialidade produtiva e na potencialidade dos reservatórios que descobriu, assim como no tamanho dos recursos identificados.

Ou seja, a partir deste plano de investimentos, a Petrobras explorará as novas áreas com um grau de conhecimento e com uma infraestrutura instalada muito maior do que ela tem hoje. E, consequentemente, terá melhores condições de ser uma melhor operadora do que ela já é. Estaremos mais maduros.

A expectativa é que o pré-sal - que hoje representa 2% da sua produção - chegue a 18%, em 2015, e a 40,5 % da produção da empresa em 2020.

[Dirceu] Quando teremos o modelo da partilha?

[Gabrielli] Depende do governo e do Congresso, que vai definir os critérios para os royalties do petróleo. Mas, voltando ao marco regulatório: o governo fez uma mudança muito importante quando redefiniu para onde irão os ganhos do petróleo dessas áreas novas. Ele criou um fundo que tem a função de investir fortemente em projetos transgeracionais, que vão modificar o futuro das gerações do povo brasileiro. Esse fundo vai financiar educação, programas culturais, inovações tecnológicas - além de outros itens – que serão alimentados pela parte do lucro que o governo vai obter dessas áreas novas. Portanto, se a Petrobras vai operar essas novas áreas, e viabilizá-las da melhor maneira possível, o volume de recursos que irá para esse fundo aumentará. A nossa capacidade de resposta - em velocidade e em volumes significativos - terá impacto direto no fundo.

[Dirceu] Como descreve o momento atual da empresa?

[Gabrielli] Nosso momento é histórico. Será a maior transição que a Petrobras já teve. Temos uma realidade geológica, que é a existência do hidrocarboneto localizado aqui e já mapeado em volumes extraordinários. Quando você tem isso, o negócio se viabiliza. Ocorre que isso se deu exatamente no momento em que a Petrobras é a empresa mais preparada para explorar as águas profundas.

[Dirceu] Como a Petrobras vai atuar para fomentar a indústria nacional e o desenvolvimento de tecnologia para suprir as demandas futuras que se avizinham?

[Gabrielli] Nós estamos ativamente participando do processo de construção da capacidade da cadeia produtiva nacional. Estamos promovendo um processo de transição de construção de bases para que o novo marco regulatório tenha ainda mais desenvolvimento, mais  crescimento e, enfim, mais distribuição dos recursos do petróleo para a população brasileira. Assim, nesse plano de investimentos atual, vamos aumentar nossas relações com o fornecedor direto da Petrobras, com o fornecedor do fornecedor, com os fornecedores dos fornecedores dos fornecedores, até o quarto elo dessa cadeia.

Esperamos atingir um volume bastante significativo dos serviços e da indústria brasileiros. Vamos estimular a criação de capacidade na indústria brasileira, seja na engenharia, na mecânica pesada, na eletroeletrônica, na siderurgia, na construção pesada, na tubulação, na forjaria, em motores, em geradores...

Ou seja, quando o outro pré-sal chegar, aquele das novas áreas a serem contratadas, a indústria também estará com uma maior capacidade de crescimento. 
Portanto, ficará mais fácil a essa nova indústria atender às demandas crescentes de conteúdo nacional que virão com o novo marco regulatório.

[Dirceu] Comparando o último plano com este, o que muda? O valor é praticamente o mesmo: saiu de US$ 224 bi em 2010 a 2014 para US$ 224,7 bi, em 2011 a 2015...

[Gabrielli] Mas, as mudanças são substantivas. Primeiro: há uma maior importância da exploração de produção, em relação ao plano passado. Nós aumentamos a participação da exploração e produção de petróleo no volume de investimentos – passamos de US$ 118,8 bilhões para US$ 127,5 bi. São US$ 8,7 bi a mais.

Esse esforço está sendo dirigido, em particular, ao pré-sal. O desenvolvimento dos campos do pré-sal, no plano de 2010 a 2014 eram previstos US$ 33 bi. 
No plano atual são US$ 53,4 bi. Queremos, em 2020, que a produção do pré-sal corresponda a 40,5% da nossa produção de petróleo.

Segundo: na área de abastecimento nós tivemos, também, uma mudança importante. Estamos concluindo uma fase de investimentos na melhoria das refinarias  atuais para atender a  qualidade do diesel  e da gasolina em termos de redução de componentes de enxofre. Esse é um ciclo de investimentos que está terminando. E aumentamos o ciclo de investimentos na criação de novas refinarias. Ao mesmo tempo, estamos ampliando a nossa logística. O país se desenvolveu muito e cresceu mais fora do Sul-Sudeste do que no Sul-Sudeste. Portanto, precisamos crescer os investimentos na logística e na distribuição nessa região.

Terceiro: a Petrobras fez um movimento importante na área de gás e energia. A logística do gás é complicada. Ele precisa de um duto fixo e enterrado. Temos hoje 14 mil quilômetros de gasodutos implantados. Esse foi um investimento de US$ 23 bilhões. Ou seja, concluímos uma fase de construção de gasodutos. Temos a nossa rede nacional de gasodutos pronta. Isso permite que o gás da Bolívia, por exemplo, seja consumido no Ceará. Agora, vamos partir para a construção de fábricas que vão transformar o gás natural em moléculas de uréia e amônia. Isso aumentará a flexibilidade da Petrobras e levará o Brasil a ser autosuficiente em amônia em 2015 e reduzirá, pela metade, as importações de uréia até 2015.

Há uma quarta mudança importante: na área de etanol e de biocombustíveis, aumentamos a ênfase do nosso investimento em etanol – deslocamos um pouco do foco que tínhamos em biodiesel. Com isso, aumentamos fortemente os investimentos na produção de etanol de tal maneira que vamos crescer de 5,3% para 12% a participação da Petrobras biocombustível na produção de etanol no Brasil. Sairemos da atual oferta de 1,5 milhão de metros cúbicos, em 2011, para 5,6 milhões de metros cúbicos em 2015.

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[Dirceu] As novas áreas de exploração estão cada vez mais custosas e exigem novas tecnologias. Que posição conquistou a Petrobras em relação a outras empresas no mundo no desbravamento de novas áreas?

[Gabrielli] Há duas maneiras de se adicionar reservas. Uma baseia-se, nos campos que já existem e nos poços já abertos, em aumentar a retirada do petróleo do fundo da terra. Isso se dá com mais compressão e com a injeção de água, de gás, de CO2, de vapor – são várias as técnicas – forçando o petróleo a sair. Em média, a cada cinco barris descobertos, quatro permanecem em baixo da terra. Não é econômico tirá-los do fundo, pois sai muito caro. O petróleo não está num lago sob a terra, mas dentro da rocha. Com essas técnicas é possível alcançar entre 60% e 80% de recuperação de um reservatório. Nesse caso, a maior parte deste “novo” petróleo, não vem da Petrobras.

Mas, no que tange à segunda maneira de se encontrar mais petróleo - descobrindo novos reservatórios - estamos muito bem. Nenhuma empresa no mundo descobriu tanto petróleo novo como a Petrobras. Isso porque a fronteira do petróleo novo está nas águas profundas. Nos últimos cinco anos, metade das novas descobertas no mundo se deu em águas profundas. E nas águas profundas, a Petrobras foi responsável por 62% das descobertas. Temos 45  sistemas de produção, enquanto a soma das áreas de produção da 2ª, da 3ª e da 4ª empresas nesse setor dá 42. Ou seja, já somos, de longe, a maior empresa de exploração de petróleo em águas profundas do mundo. E vamos ser a que mais cresce, pois o país tem a fronteira de pré-sal de maior potencial no mundo.

[Dirceu] Qual é a capacidade de produção da Petrobras? Ela está apta a suprir as necessidades do país?

[Gabrielli] O Brasil é um grande consumidor de petróleo. Está no grupo de países que consome 2,3 milhões de barris por dia. E produz perto de 2 milhões. Em 2020 estaremos produzindo 4,9 milhões de barris por dia. Ou seja, estaremos exportando - entre petróleo e derivados - mais de 2,3 milhões de barris por dia. Isso será mais do que a produção total do que temos hoje.

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[Dirceu] Olhando o momento atual da Petrobras, vis a vis a sua história, como o definiria?

[Gabrielli] É um momento de transição. A última fase da Petrobras – de 1998 até agora – foi uma fase de crescimento da Petrobras no desenvolvimento da bacia de Campos. Ela passou um período que estava caminhando para uma segregação em partes.

[Dirceu] O que você chama de segregação?

[Gabrielli] A empresa estava organizada em termos de unidades de negócio, que eram separadas. Tinha unidade de produção de petróleo, outra que era para refino, outra para distribuição, outra para petroquímica, outra que era para gás. De 2003 para cá, nós reforçamos o sistema Petrobras. E avançamos na idéia de que temos de separar a construção de novos projetos da produção atual com os ativos existentes. Antes era meio confuso. A pessoa que  responsável por fazer uma refinaria nova era a mesma que, ao mesmo tempo, cuidava da refinaria existente. O responsável por fazer com que uma plataforma funcionasse era o mesmo que fazia uma plataforma nova começar a produzir. Separamos essas duas coisas para dar foco aos novos projetos.

[Dirceu] Muito se tem falado na imprensa a respeito do “desinvestimento” a ser promovido pela Petrobras. Do que ele trata?

[Gabrielli] Ele se dará em três frentes. Venderemos participações em áreas exploratórias, principalmente no exterior; venderemos participação em empresas no Brasil e no exterior; e faremos uma gestão mais apurada do nosso portfólio financeiro. Nesse último caso, vamos otimizar o nosso caixa.

Substituir garantias creditícias, seguros etc. Dificilmente o desinvestimento será feito a partir de campos maduros. A maior parte deles não se viabiliza nas mãos de pequenas ou médias empresas, pois dependem de muita sinergia que só é possível em uma companhia grande. Por exemplo, um campo maduro sozinho não tem porte para suportar os investimentos necessários para a tecnologia de separação da água do óleo.

[Dirceu] Você tem falado muito da preparação da indústria brasileira para as novas demandas do pré-sal. Poderia detalhar mais esse ponto?

[Gabrielli] A partir da 7ª. rodada de licitações de áreas de exploração de petróleo e gás, o conteúdo nacional exigido passou a ser de 65%. Este é um número simbólico, mas não representa muita coisa. É como estar com o pé em água fervendo e gelo na cabeça. É um incentivo à produção local, mas não quer dizer muita coisa.

Indo muito além, eu diria que a Petrobras cresceu muito na sua relação com a sua cadeia de fornecedores brasileiros. O uso da política de conteúdo nacional viabilizou a expansão da indústria naval brasileira, que saiu de 1.900 empregados para 56 mil empregados no ano passado, viabilizou a expansão de vários segmentos da mecânica brasileira, dedicados a petróleo e gás. Foi a Petrobras que também viabilizou a recuperação da engenharia brasileira, o crescimento das empresas de projetos no Brasil, expandiu toda a produção de tubulações e de forjarias no Brasil. Além disso, fizemos um grande investimento na montagem de redes temáticas de conhecimento envolvendo as universidades brasileiras e os centros de pesquisa no Brasil. A medida transformou fundamentalmente a situação de pesquisa empírica. Temos mais de 120 instituições de pesquisa – entre universidades e centros de pesquisa em quase todos os Estados do Brasil – articulados em 50 redes com laboratórios novos e em condições de pesquisa, bancados pela Petrobras. Colocamos nisso US$ 1,3 bilhão nesses últimos três anos.

[Dirceu] Já existem frutos desse esforço?

[Gabrielli] Com certeza. Temos mais de 600 grupos de trabalhos desenvolvendo diferentes temas no país. Também foi possível duplicarmos a capacidade de processamento computacional da Petrobras. Já tínhamos talvez o maior parque de computadores do Brasil. Ao criarmos a rede com essas universidades, conseguimos dobrar essa capacidade. Também temos laboratórios de tanques oceânicos que testam a flutuabilidade de sistemas, que são os melhores do mundo. E laboratórios de corrosão, tudo isso pronto. Não estou falando que vamos criar. Isso tudo já existe.

[Dirceu] E patentes? Em que pé a empresa se encontra?

[Gabrielli] Nós somos a empresa que mais tem patentes no país.

[Dirceu] Internacionalmente, dá para compararmos a Petrobras com suas concorrentes nesse quesito?

[Gabrielli] A patente não é um bom indicador para petróleo. A nossa indústria não trabalha com inovações globais. Trabalhamos com a recombinação de tecnologias diferentes num determinado momento.

[Dirceu] Daí a importância de se trabalhar em rede...

[Gabrielli] Exatamente.

[Dirceu] Como a empresa espera fomentar a capacitação de profissionais que atendam às demandas da Petrobras e de toda a cadeia produtiva?

[Gabrielli] Nenhum obstáculo é instransponível, apesar do gigantismo da Petrobras. Um dos nossos programas identificou mais de 720 ocupações e temos mais de 3,2 mil cursos em andamento. Vamos treinar para a cadeira de fornecedores da Petrobras até 2014 280 mil pessoas Já treinamos 79 mil. Até 2014 a meta é treinar mais 212 mil pessoas para o setor de petróleo e gás. O programa abrange cursos de longa duração, de curta duração. Tem curso para mecânico, para eletricista, para engenheiro de detalhamento de projeto, para operador de guindaste, para soldador, para detalhista de 3D, em AutoCAD...O que você imaginar, nós temos. Isso envolve cerca de 60 grupos de treinamento – o sistema S – que inclui SENAI e SENAC – as escolas técnicas federais, as universidades federais. Mas, não é a Petrobras que vai treinar tanta gente. Ela organiza, mobiliza e coordena o esforço. Nesse momento, quem executa o programa é a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e de Equipamentos (ABIMAQ).

Além disso, internamente, temos a nossa própria universidade, que treina o nosso pessoal. Em 2010, 60 mil vagas foram oferecidas em cursos e treinamentos. A mesma pessoa pode ter assistido a vários cursos. Claro, também atuamos dentro das universidades. Mas, de forma geral, não temos problemas em recrutar pessoas. No último concurso que a Petrobras fez, oferecemos 2 mil vagas e tivemos 390 mil inscritos.

[Dirceu] Esse treinamento é suficiente?

Image[Gabrielli] Na verdade, o nosso grande problema é que 51% da força de trabalho da Petrobras tem menos de 9 anos na companhia. E 46% tem mais de 20 anos de casa. O meio é vazio. Mas, pessoas com mais de dez anos e menos de vinte anos de casa são muito importantes porque são, exatamente, os supervisores, o pessoal que está na frente operacional liderando. O desafio nosso, portanto, é a transferência do conhecimento e dos valores dessa geração de mais de 20 anos da companhia para a nova geração que chegou há pouco.

[Dirceu] A Petrobras também é vista como uma empresa de energia. Nesse sentido, como está a empresa?

[Gabrielli] Seremos o primeiro ou o segundo produtor de etanol já em 2015. Temos, ainda, uma grande capacidade instalada de de geração elétrica. Somos hoje o maior produtor individual de biodiesel. E, sem dúvida, conquistamos o lugar do maior produtor de petróleo o maior refinador de petróleo, o maior produtor de gás e o maior distribuidor de gás do país.

Estamos crescendo na área de aeólica – temos 4 plantas no Rio Grande do Norte - mas é pequena a nossa presença em energia aeólica. Como o nosso objetivo é crescer em biocombustível, não pretendemos crescer nem em aeólica, nem em solar, nem em nuclear. Não é a nossa praia.

[Dirceu] Mas, voltando ao gás. Foi mencionado que a Petrobras já conta com a infraestrutura do gasoduto. O próximo passo, portanto, seria aproveitar o gás de várias formas possíveis...

[Gabrielli] É verdade. O mercado de gás brasileiro ainda depende muito de São Pedro. Isto é, depende da chuva futura, porque o gás é muito usado para geração elétrica. E a geração elétrica é maior quando no período de seca, já que baixam os reservatórios de hidrelétrica. Para evitar isso, o sistema despacha a termoelétrica a gás natural. Quase 50% do mercado nacional de gás depende das chuvas. Só que o despacho das termoelétricas não é firme. A  demanda futura dependerá, também, em grande parte, dos resultados dos leilões das novas termoelétricas.

Às vezes, o consumo é de apenas poucas horas entre ligar e desligar a termoelétrica. É nesse sentido que precisamos ter flexibilidade. Porém, é necessário termos uma infraestrutura para disponibilizar esse gás quando necessário, independente da variação climática. E o que você faz com o gás se você não o usar na termoelétrica? Não dá para estocar o gás. É preciso criar alternativas. Uma das possibilidades é que o gás que não seja usado pela termoelétrica se transforme em uréia e em amônia.

[Dirceu] Ou seja, o Brasil mata dois coelhos com uma cajadada só. A propósito, quanto importamos de uréia e amônia?

[Gabrielli] Importamos 53% da amônia que consumimos; e importamos 58% da uréia. Com o novo plano de investimentos, até 2015 seremos autosuficientes em amônia e importaremos apenas 28% da uréia consumida no país.

[Dirceu] Essa produção de amônia e uréia vai usar todo o gás que sobrar da variação de demanda das termoelétricas?

[Gabrielli] A idéia é essa. Temos hoje dois terminais de regaseificação. Temos 21 milhões de metros cúbicos dia de capacidade de regaseificação de Gás Natural Liquefeito (GNL). Com o GNL, comprimimos o gás 600 vezes. Até 2015 teremos mais um terminal. Talvez tenhamos até uma 4ª. unidade de regaseificação. Vamos aumentar essa capacidade de regaseificação dos atuais 21 milhões de metros cúbicos dia para 41 milhões de metros cúbicos dia até 2015. No Rio de Janeiro, passaremos de 14 milhões de metros cúbicos para 20 milhões de metros cúbicos dia. Além do Ceará, produzindo 7 milhões de metros cúbicos dia, e a Bahia, 14 milhões de metros cúbicos dia. Isso é mais que o fornece o gasoduto da Bolívia. Com esse terminal, teremos como, se houver a necessidade de mais gás num determinado momento, transportá-lo de navio. Esse é o ponto. Nós criamos flexibilidade.

[Dirceu] E por falar em termoelétricas, qual é a posição da Petrobras na geração de eletricidade?

[Gabrielli] Já somos grandes geradores: 6,5 mil megawatts. Serão 7,114 mil megawatts em 2015. E, em 2020, 9,5 mil megawatts.

Image[Dirceu] Muito se tem dito sobre o esgotamento da capacidade da Petrobras em refinar gasolina e a necessidade de se importar o produto. O que é verdade nessa história?

[Gabrielli] Nós acreditamos que o Brasil vá ter uma capacidade de produção de diesel para atender o mercado interno em 2014 e de gasolina só em 2019.

Até lá – como os nossos investimentos foram todos feitos para otimizar a produção de diesel, e de querosene de avião -- não vamos crescer muito a capacidade de gasolina.

Hoje, do total dos derivados de petróleo – incluindo gás, diesel, GLP, Nafta, QAV – apenas 5% são importados. No caso da gasolina, em 2010 o volume importado representou apenas quatro dias de consumo. E o que já foi importado em 2011, menos de três dias. Mas se a demanda crescer, aí, de fato, teremos de importar gasolina. Mas a demanda é um elemento difícil de prever. Por exemplo, pode haver maior ou menor consumo de etanol no país. Isso  influi diretamente no consumo da gasolina. É preciso saber, ainda, se os carros flex serão dominantes no mercado. Não sei sequer se o governo vai diminuir a proporção de etanol na gasolina (hoje estipulada em 25%, para 18%). Todos esses elementos são importantes para se prever a demanda.

[Dirceu] Qual será a política preço da gasolina no mercado interno. Haverá aumento de preço no curto prazo?

[Gabrielli] Nos últimos oito anos, a nossa política de preços foi acompanhar os preços  internacionais no longo prazo. E o aumento do preço da gasolina será uma decisão que será tomada no momento em que for preciso. Há, também, a questão da variação dos preços relativos. O preço internacional do barril do petróleo em 2008 chegou a US$ 147, em algum momento caiu a US$ 33 e hoje está entre US$ 110 e US$ 120. O que eu estou dizendo é que não há como prever o preço da gasolina a priori. Não podemos antecipar.

O que posso dizer é que, se vendermos mais barato a gasolina que o preço internacional, outras distribuidoras vão comprar aqui e revender a nossa gasolina na fora com lucro. Com o mercado aberto é impossível manter o preço doméstico descolado do preço internacional por muito tempo. Também não é possível manter o preço interno da gasolina muito acima do preço internacional por muito tempo.

As refinarias vendem a gasolina por R$ 1,05 o litro desde maio de 2009. Mas o preço cobrado no posto é determinado por vários outros fatores. O preço final inclui impostos estaduais, a margem dos distribuidores e a margem dos postos. A Petrobras é responsável apenas por 1/3 do preço da gasolina cobrada no varejo. O Brasil tem 37 mil postos de combustíveis. A BR distribuidora detém 38%. E temos, ainda, outros 200 distribuidores. Ou seja, nós não temos o monopólio da venda da gasolina. E, apesar de o preço ter estado absolutamente estável na refinaria, o preço ao consumidor final variou muito.

[Dirceu] Mas, pensando no médio prazo, é crucial aumentarmos a nossa capacidade de refino...

[Gabrielli] É preciso criar novas refinarias para podermos aumentar a capacidade de refino no Brasil. (Estão previstos aumentos da capacidade de refino de 395 mil barris por dia até 2015 e de 1,065 milhão de barris por dia até 2020, um investimento próximo de US$ 35,6 bilhões.) A Petrobras importa hoje 300 mil barris por dia, em média, de derivados de petróleo.  Considerando a nossa capacidade de refino, nós produzimos mais petróleo do que podemos  processar no Brasil. Com as construções das novas refinarias que estamos projetando até 2020, nós vamos chegar em 2020 com uma capacidade de refino mais ou menos igual à demanda do mercado brasileiro de 3 milhões de barris por dia.

[Dirceu] Como está a saúde financeira da Petrobras? A empresa tem condições de levar adiante todos os seus projetos?

[Gabrielli] Nós modificamos a nossa situação econômico-financeira. Deixamos de ser uma empresa com dificuldades de geração de caixa e de captação de recursos, para nos tornarmos em uma empresa que é considerada no mercado “grau de investimento”. Hoje temos acesso ao mercado internacional com bastante facilidade.

Precisamos de receitas para pagar o investimento e as amortizações. Temos em caixa US$ 26 bi. Com o barril a US$ 90, teremos faturamento de US$ 125 a 149 bi. O plano de investimentos prevê, ainda, um desinvestimento de US$ 13,6 bi. E queremos manter a relação entre dívida e capital próprio entre 26% e 29%. Nossa dívida deverá variar entre US$ 67 bi e US$ 91 bi, dependendo do preço do petróleo.

Após fazer a maior capitalização do mundo, no ano passado (oferta pública em setembro de 2010, que captou R$ 120 bilhões), criamos as condições que nos viabilizam voltar ao mercado da dívida – emissão de Bond, dívida bancária, financiamento por meio de agências e bancos de desenvolvimento. A esse respeito, é importante frisar que a crise internacional do crédito não é uma crise de liquidez. As taxas de juros são baixas porque a liquidez é alta. 

Ocorre que os bancos têm preferência pelos projetos mais adequados. Nunca tivemos problemas nesse sentido. Só para dar um exemplo, em janeiro de 2009, captamos US$ 6 bilhões no auge da crise internacional. Resumindo, a Petrobras é uma empresa muito grande no mercado financeiro internacional e tem credibilidade e condições de levantar recursos.

Foto: Petrobras e Blog. (www.zedirceu.com.br)

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