quarta-feira, 18 de abril de 2012

MONSTROS DO SISTEMA por Sérgio Carvalho*

Seu nome de registro era uma justa homenagem
feita por seu pai camelô, a João de Deus
aquele que fora em momento mais drástico esquartejado
...
em detrimento da retaliação aos negros rebelados imposta
àqueles que peitaram de frente a demagogia da democracia racial
e a histórica mentira de fim da escravidão
Negros corpos se locomovem dentro da feira de são Joaquim
alguns em busca de economia na luta pela subsistência
outros no corre corre das vendas pra garantir a sobrevivência
João de deus olhava admirado a batalha de dona Amélia
que esgoelava-se a gritar:
- tomate, cebola e pimentão...
- fresquinho freguesa dirigindo-se as suas semelhantes
Subempregadas ao menos naquele momento patroas,
administradoras de uma vida dividida entre:
o trabalho, os afazeres domésticos e o enfrentamento diário das lutas quotidianas
Era desumano todo fardo aquelas negras senhoras submetido
João de Deus percebia que ainda assim seus pais
jamais sequer cogitaram virar bandidos
e a dignidade sob seu lar ainda imperava
Aquilo o fortalecia...
Nutria uma admiração de um espírito guerreiro,
Representação natural do legado perpetuado pelo seu povo
e da força do nome que carregava na identidade
não na identidade nomenclaturada RG
mas na ancestralidade que justificava a razão de tudo assim ser
Sentia que chamar-se João podia ir alem de ser de Deus
Poderia João Candido ser, em referencia ao almirante negro
por quem seu pai, aquele semi analfabeto também nutria sentimento de admiração
e mesmo sem acesso a escola nem a educação mínima
seu velho aprendera a ler em momento tardio,
e fez do habito da leitura, uma forma de combate frente ao sistema hostil
um livro era melhor que as companhias la fora oferecidas
com as quais se comungasse perderia a propria vida
nas mãos da policia ou de semelhantes inaptos ao esclarecimento
seguindo as estatísticas de segurança publica de inversos valores
permitindo seguir normalmente o espetáculo do circo de horrores
um circulo vicioso, sistemático e de natureza infame
onde negros eram fadados ao insucesso social
João de Deus se perguntava porque deus era tão mau
e porque tantas injustiças
sua ausência de malicia o permitia ir alem
será que deus era branco e racista era também?
João um garoto no meio da feira de são Joaquim
com futuro indefinido que de fato não conhecia o fim
filho de um Antonio com uma Maria
morador do gueto
se é que barraco poderia ser classificado como moradia
sistema prisional contendo muitos parentes seus, pelos quais volta e meia perguntava
e seus pais com os rostos entristecidos afirmavam estar viajando
viagem longa! era o que ele sempre ficava pensando...
Tios, primos e irmaos
divididos em puta traficante e ladrão
homicidas, monstros do sistema
sem sequer saberem na verdade vitimas serem de fato
João de Deus sentia que sua sina e seu destino não seria nada fácil
Sentado num caixote de madeira era precoce a um garoto daquela idade pensar tanta besteira
olhava os passos de pai e mãe,
que numa luta descomunal esforçavam se pela responsabilidade de comida porem a mesa
e já pensava quando teria acesso a sobremesa
na escola até o fardamento era dividido
livros nestes sentia que tava fodido
a transição da infância para juventude naturalmente ocorria
ele agora de moleque favelado a padrão de suspeito “ evoluía”
e aquilo doía como o chicote que rasgara o lombo dos seus antepassados
o jovem hoje de boné e camiseta vestia uma ciclone e almejava uma cg
culpa dele ou culpa nossa no que ele pode vir a ser?


Motumbá adupé Olorum
*Sergio Carvalho
Sócio CEO
Afroparceiros produções culturais
Um novo lema em cultura negra

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