É o que elas gostam!
|por Helen Fraga|
A polêmica criada pelo projeto de lei que tenta impedir que artistas, cujas músicas desvalorizam a mulher sejam contratados com dinheiro público, resulta de um tema muito mal exposto e pouco debatido. Noticiado pela grande mídia, o projeto de Lei, da deputada Luiza Maia, do PT, tenta colocar em questão o conteúdo das letras de uma parcela das bandas de pagode, que com suas músicas, desqualificam ou atentam contra a mulher.
Parece um tema já superado, mas a questão da violência contra a mulher passa sim sobre a forma como sua imagem é retratada na música ou na cultura popular, embora também pesem outras questões muito mais profundas. A forma como a mulher rotineiramente é descrita sempre tende a valorizar a estética do corpo jovem em contraposição a desvalorização de sua fala. Ou não é a bunda de algumas mulheres que falam mais que si próprias?
O que me parece, talvez, é que embora o suscitar do debate, o referido projeto não seja decisivo no combate ao que tem se proposto. Pois, não se trata de uma questão de conscientização nem de responsabilidade com os recursos públicos, mas da base pela qual as relações sociais tem se sustentado no decorrer da história.
A ordem patriarcal, que sustentou muitos anos de opressão dos homens sobre as mulheres veio a se aprofundar no capitalismo. Dessa constatação resultam todos os estereótipos femininos construídos e reconstruídos a serem apropriados e vendidos como mercadoria, pois não é o destino biológico que cria a dona-de-casa, a mulher independente, a “piriguete”, a “popozuda”, entre tantas outras!
Como é comum na grande mídia, a discussão sobre o projeto de Lei se restringiu ao seu lado mais raso. Pois, muito mais do que uma discussão franca sobre a situação das mulheres provocou aquele velho acirramento e preconceito contra o pagode, que, assim como o funk, é produzido e consumido principalmente pelas camadas populares. Como também, muito mais do que uma discussão sobre como a cultura de massas é tomada pelo mercantil, outra, sobre como uma parte das mulheres baianas gosta e curte as músicas de pagode.
A relação entre cultura popular e a questão de gênero não pode ter outra expressão senão a do cotidiano das pessoas. O que está em debate é apenas o fenômeno e não a essência da forma pela qual as mulheres são retratadas nas músicas populares. Assim também, o fato das mulheres acabarem reproduzindo o discurso dominante não pode ter outro sentido além do eficaz mecanismo de reprodução de ideologia.
Sobretudo é importante lembrar que a imagem da mulher não é somente vendida pelas bandas de pagode. Ou será que não existe nada em comum entre as mocinhas e vilãs das novelas da Globo com as “piriguetes”, ou as “cachorras”? E as “bailarinas” do Faustão (é como se cada uma delas tivesse menos a falar do que o apresentador – o que é impossível)? Ou então o que falar das propagandas e revistas femininas? A linguagem pode ser mais ou menos elegante, mas expressa a mesma visão que o mundo machista e capitalista impele sobre a aparência e a essência das mulheres.
Finalmente, é necessário o resgate da compreensão de mundo que verifica as contradições de classe e a forma pela qual alguns poucos se apropriarem da vida da grande maioria da população. Pois a questão da mulher não se circunscreve somente ao plano da cultura, da política ou do esporte (...), assim como também não se resume à mudança das regras, mas da escolha coletiva pela liberdade das mulheres, representada também, na liberdade dos homens.
Helen é Estudante de Economia pela UEFS
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