segunda-feira, 22 de agosto de 2011

O PLANSERV, a família e o futebol de antigamente



|por  Franklin Oliveira|
Esses dias a conversa aqui em casa foi séria. É que depois da criatividade do governo da Bahia em debitar todos os crimes ao uso de crack, agora arrasou definitivamente em matéria de criatividade. O motivo da desavença familiar foi a proposta do governo de reduzir o atendimento do plano de saúde do estado, o PLANSERV que, dizem as más línguas, não serve.
Precisei argumentar muito para mostrar à minha mulher que precisamos ajudar o governador Jacques Wagner do PT. Eu lhe disse, que o coitado do governo tem muita gente para atender, quase quinhentas mil, e que não ouvisse essas intrigas da oposição que dizem que quem inchou o plano foi o próprio governo contratando Redas e outros “prestadores  de serviço” sem concurso, assim passando a arrecadar mais.

Além disso nossos colegas funcionários são muito atirados. Imaginem que estão “exagerando” até nos exames, nas consultas e nas cirurgias. É preciso deixar de ir ao médico por qualquer motivo minha gente! Temos que pagar e não usar para ajudar o governo a sair da crise! Um dia desses vi no Barradão um exemplo que o governo da Bahia podia adotar. Um jogador deslocou o ombro e o cara da maca colocou na mesma hora sem precisar de médico. E outro dia foi um juiz que deu sua cota de colaboração ao governador ao não procurar o médico após tomar um pontapé de Rildo.

Minha mulher não quer entender que sete consultas por ano dão perfeitamente pra atender aos servidores. Afinal de contas ela poderá fazer uma consulta de dois em dois meses. E se  sentir mal fora deste prazo é só esperar dois meses e será perfeitamente atendida pelo governo.

Se tiver sorte, e conseguirmos um “pistolão”, podemos (quem sabe?) conseguir fazer até um exame. Sim, minha gente, ai está outro absurdo que o governo reparou. Os funcionários e seus dependentes estão usando os exames de maneira “abusiva”! Mas também aí já é culpa dos médicos, porque eles insistem em mandar fazer exame para poder dar um diagnóstico? Antigamente não tinha nada disso, o médico examinava mesmo era com as mãos. Pegava aqui, apertava ali e logo descobriam o que agente tinha. Porque não voltarmos a esse delicioso tempo? Aí podíamos ajudar o governo fazendo com que não pagasse exames.

Outra coisa que poderia combinar com os médicos é reduzir drasticamente esse negócio de doenças graves. Com os avanços médicos dos últimos anos nem mesmo o câncer pode ser considerado mais “doença grave”. Assim o governo da Bahia podia dar mais uma contribuição extraordinária à criatividade eliminando definitivamente esta doença do mapa do PLANSERV. O que acabaria com os tratamentos, consultas e exames periódicos, que não estão no gibi!

Eu lembrei a ela que, além da economia com a restrição dos procedimentos, o governo criou uma nova tabela de valor dos descontos do PLANSERV e diz que assim vai “melhorar a  assistência”. Não explicou ainda como se pode fazer isso limitando os procedimentos, mas tenho certeza que o secretário Manoel Vitório vai explicar. Quem sabe eu possa agendar para daqui a alguns anos minha sonhada operação de próstata?

Não tendo mais nada pra argumentar ela veio com um casuísmo. Disse que, como não sabia, esse ano já usou as sete consultas permitidas pelo governo. Aí eu disse a ela que não viesse com esses “detalhes”. É só segurar mais cinco meses até a nova consulta. E, em caso de muita necessidade, ainda podemos muito bem “pagar por fora” com o robusto salário que recebemos do governo.

Quem sabe se essa coisa acaba sendo adotada pelos planos de saúde? Pois se o sério governo da Bahia a adota quem dirá o Sul América, BRADESCO, e outros bichos, alegando estarem também em crise!

Mas vamos deixar essas besteiras pra lá e falar do que interessa, o futebol. Há algumas semanas atrás fui levado pelo amigo Alexandro Ribeiro para visitar o grande estudioso do futebol baiano, Mário Gomes. Durante a auspiciosa conversa procurei em seus apontamentos e achei os nomes de meu pai Franklin Oliveira e de meu saudoso tio José Carvalho na escalação dos segundos quadros do Vitória nos anos de 1940 e 1941.

Que alegria tive com esse achado, quando me lembro nem penso no PLANSERV! O jeito foi procurar como foram esses campeonatos que eles participaram.  Em 1940 meu pai tinha 19 anos e meu tio 20 quando vieram de Ilhéus pra estudar em Salvador e morar numa pensão no Gravatá, hoje situado em uma das cracolândias mais concorridas de Salvador. Que diferença daquele tempo quando a Rua da Independência era local de “gente de bem” e além de meus avós morarem lá, ainda tinham a companhia dos pais de ACM. E não é que foi ali que meu pai conheceu a minha mãe que ficava na janela quando ele passava?

Naquele tempo as coisas do esporte “profissional” do EC Vitória funcionava assim. Meu pai e meu tio acordavam na madruga para ir remar nas competições do clube na Enseada dos Tainheiros. Remavam toda a manhã e depois de engolir um lanche iam para Graça jogar na preliminar dos jogos do Vitória, que começava com o sol à pino. Muitas vezes, quando alguém se contundia ou faltavam jogadores eles tinham que sentar no banco do time “profissional”.

Meu tio Zeca não está mais aqui pra contar e meu pai não se lembra dos jogos que ele sentou no banco do time titular. Depois de 1941 a amizade dos dois irmãos foi abalada, pois meu tio foi jogar no tricolor (imagine o motivo fútil) é que esse lhe ofereceu 200 mil reis pra se transferir para o Bahia. Meu pai não, preferiu ficar naquele sufoco e sem ganhar nada no Vitória.

O campeonato baiano de 1940 só teve a participação de cinco clubes e o rubro negro pegou uma tabela difícil, em que jogaria nas quatro primeiras rodadas com Botafogo, Galícia e Bahia. Ganhou do primeiro(1 X 0), perdeu do segundo(1 X 3) e empatou com o último (1 X 1). Mas depois desabou, tomando de cinco do Ypiranga, de sete do Bahia (Ave Maria, será que meu pai sentou no banco?) e de quatro do Galícia. As coisas só melhoraram nas partidas finais quando ganhou o mais querido(3 X 2) e o Botafogo(5 X 1).

Acreditem se quiserem, o tricolor ganhou com uma mão nas costas e o time que meu pai jogava ficou em “quarto lugar”, ou seja em penúltimo. Convenhamos que foi uma má estreia para meu pai e meu tio em matéria de campeonatos oficiais.

Mas aí fui olhar em 1941 pra ver se tinham arranjado alguma coisa. Afinal, foi nesse ano que meu tio se transferiu pro Bahia e não era possível que o time estivesse tão mal. O Vitória estreou na segunda rodada, no clássico contra o Bahia, que terminou empatado em três gols. Será que meu tio sentou no banco? Entrou pra jogar?

Mas naquela época o rubro negro era o mesmo que conhecemos hoje. Imaginem que perdeu para o Galícia e Botafogo por dois a um e venceu depois o próprio time da colônia espanhola (que seria campeão aquele ano) por quatro a um e o tricolor, campeão do ano anterior, por quatro a dois.

No dia consagrado à independência empatou com o lanterna Botafogo em três gols, mas ganharia os diabos rubros logo a seguir por três a um. Foi nesse mês que foi decidido o certame no empate entre Galícia e Ypiranga em um gol, com o azulino colocando seis pontos à frente de tricolores e rubro negros que estavam empatados em segundo lugar. O Bahia ganhou do Galícia(1 X 0) e empatou com o Ypiranga(2 X 2). Quanto ao Vitória conseguiu vencer o Botafogo(3 X 1), mas na última partida foi esmagado pelo Ypiranga tomando de seis a dois. Que desgraça, meu pai e meu tio nem conseguiam ser vice!

Os irmãos brigaram, mas acho que meu pai se deu melhor do que meu tio. É que o Bahia não arranjaria nada nos próximos anos, e logo no certame de estreia de Zeca ficaria na vice-lanterna. Enquanto isso mesmo sendo a gloriosa época do tricampeonato do Galícia, o leão chegaria pertinho do azulino e, num desses enfiaria nove a um no time da colônia espanhola com sete gols do artilheiro Siri. Será que meu pai sentou no banco nessa partida histórica?

Franklin Oliveira Jr. é desportista, escritor, professor universitário e criador do blog memorias da fonte nova. (TRANSA REVISTA)

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