sexta-feira, 15 de julho de 2011

Deputada Luiza Maia busca apoio na web para barrar bandas de pagode que ofendem as mulheres em suas letras

Ana Claudia Barros*
"Mulher é igual a lata, você chuta e outro cata"; "Me dá, me dá patinha, me dá sua cachorrinha"; "Quando chego na boate, ela se excita, levanta a garrafa de whisk, a perereca dela pisca". As frases, pinçadas de hits de um gênero musical popular conhecido como "pagode baiano", provocaram a indignação da deputada Luiza Maia (PT-BA), que decidiu levar sua revolta ao parlamento do Estado.
Ela é autora de um projeto de lei que pede "a proibição do uso de recursos públicos para contratação de artistas que em suas músicas, danças ou coreografias desvalorizem, incentivem a violência ou exponham as mulheres a situação de constrangimento".
O texto da matéria propõe ainda a criação de uma lista com nomes de artistas "que em suas músicas,danças ou coreografias atentem contra a dignidade da mulher". O relatório seria apresentado pela Secretaria Estadual de Políticas para Mulher.
Apesar da polêmica, o projeto, que tramita na Comissão de Constituição e Justiça, conseguiu abarcar apoiadores na da Assembleia Legislativa da Bahia e entre populares, garante Luiza Maia.
"Todas as 11 deputadas assinaram o projeto. Na semana passada, consegui mais 20 assinaturas de deputados também. No sábado passado, fui para o Centro da cidade. Em menos de duas horas, conseguimos mil assinaturas. As pessoas faziam fila para assinar abaixo-assinado em apoio ao projeto", afirmou, adiantando que vai buscar ainda adesões na internet. Na próxima segunda-feira (18), a petição ganha uma versão online.
- O projeto de lei é parte de uma campanha maior para conscientizar as mulheres no sentido de repudiarem esse tipo de música e não irem para lá dançar e "dar a pata" (música intitulada Me dá a patinha) e achar que um tapinha na cara não dói (Tapa na cara). E que rala - não sei nem como chamam nosso órgão genital - no chão (Rala a tcheca no chão), rala no asfalto. Chega na boate e não sei o quê dela pisca (Perereca pisca). Rapaz, é assim. Um absurdo - esbraveja.
"Feminista de carteirinha", a parlamentar baiana diz que vem enfrentando ataques por conta da iniciativa. "Eu sabia que o projeto ia ser um pouco polêmico porque o pagode na Bahia é muito forte. E é uma parcela do pagode quem faz esse tipo de música com esse conteúdo horroroso", afirma, enfatizando não se tratar de censura, acusação levantada pelos críticos ao projeto.
- Não dá para deixar circular esse tipo de coisa. Coisas horrorosas que nos desqualificam dessa forma - deixa escapar.
Confira a entrevista.
Terra Magazine - O que motivou a senhorar a elaborar o projeto de lei?
Luiza Maia -
Eu ficava indignada com esse tipo de música. A partir do governo Lula, o Estado assumiu a responsabilidade de acabar com a desigualdade entre homens e mulheres, a violência contra a mulher. Ficava muito contraditório, por outro lado, aqui, na Bahia, o poder público, o governo, com dinheiro nosso, financiar bandas que vão na contramão desta ideia.
A senhora considera uma incongruência...
Exatamente. Há uma incongruência, um paradoxo. Não podemos deixar que o poder público incentive a violência, o preconceito contra as mulheres. Tem música que incentiva a violência explícita contra as mulheres. Eu sabia que o projeto ia ser um pouco polêmico porque o pagode na Bahia é muito forte.
A senhora pode citar um exemplo?
"Mulher é igual a lata. Um chuta e outro cata". "Ela é uma cadela. Joga a patinha pra cima. Me dá, sua cachorrinha". É brincadeira um negócio desse? E ainda tem uma parcela das mulheres que dançam essas misérias.
Pois então, esse tipo de música tem forte apelo popular, inclusive por parte do público feminino. Por que, na avaliação da senhora, isso ocorre?
Nós, mulheres, somos formadas numa cultura machista. Acho que o machismo e o capitalismo fizeram com as mulheres uma crueldade grande. Nos colocaram nessa situação de subalternidade, de inferioridade, de cuidarmos só do privado como se não tivéssemos a nossa intelectualidade. Uma grande parcela das mulheres também é machista. A gente se liberta quando dá nosso grito, quando consegue criar nossa independência intelectual. Eu sou uma feminista, dessas de carteirinha.
No sábado passado, fui para o Centro da cidade. Em menos de duas horas, conseguimos mil assinaturas. As pessoas faziam fila para assinar em apoio ao projeto.
A senhora está coletando então assinaturas de apoio ao projeto?
Estamos com um abaixo-assinado. O projeto de lei é parte de uma campanha maior para conscientizar as mulheres no sentido de repudiarem esse tipo de música e não irem para lá dançar e "dar a pata" (música Me dá a patinha) e achar que um tapinha na cara não dói (Tapa na cara). E que rala - não sei nem como chamam nosso órgão genital - no chão (Rala a tcheca no chão), rala no asfalto. Chega na boate e não sei o quê dela pisca (Perereca pisca). Rapaz, é assim. Um absurdo. 
Tem dia que, realmente, você não sabe nem o que fazer. Então, estamos levando o debate para escolas, universidades, ruas. E o abaixo-assinado é pedindo apoio para que o projeto seja votado imediatamente. Ele está na Comissão de Constituição e Justiça-, já foi definido o relator, mas, aqui, na Assembleia da Bahia - não sei se nos outros estados é assim -, é uma luta. Não votam não. Quero mostrar para a mesa-diretora da Casa, para os deputados, que, inclusive estão me apoiando... Todas as 11 deputadas assinaram o projeto. Na semana passada, consegui mais 20 assinaturas de deputados também. 
Estamos levando o abaixo-assinado para os municípios. Na segunda-feira, ele já deve estar na internet. Vamos fazer uma campanha na internet.
Letras polêmicas envolvendo mulheres são comuns não só no pagode baiano, como também em outras manifestações, como o Funk, por exemplo. A senhora teme que o projeto possa ser encarado como uma forma de censurar expressões artísticas?
Alguns dos que têm me dado porrada aqui, na imprensa, estão dizendo isso. Mas não tem censura. Primeiro, deixamos muito claro que não somos contra nenhum tipo de música. Qualquer gênero musical, eu apoio. Gosto do pagode. Não tenho nenhum preconceito. Não é só o pagode, mas como é um gênero muito forte na Bahia, quem não está gostando da ideia fica dizendo que estou contra o pagode. 
Eu vou, inclusive, discutir com deputados federais que tenho uma relação em Brasília. Acho que isso tem que tomar conta do Brasil. As mulheres têm direito de viver em um país em que sejam valorizadas e respeitadas. Não dá para deixarmos o poder público reforçar preconceito e discriminação. E, o pior de tudo, naturalizar a violência contra a mulher.
O projeto pede essa restrição: o fim da contratação, com verba pública, artistas cujos repertórios tenham músicas que incentivam a violência e a discriminação contra a mulher. Mas esse tipo de música vão continuar sendo veiculado. 
Estamos fazendo apelo às rádios. Muitas estão dizendo inclusive que não vão tocar essas músicas. Aqui, na Bahia, já chegou no limite. Precisávamos tomar uma providência. Não tinha mais como ouvir aquelas coisas. Publicamente, deixar tocar uma coisa dessa, agredindo mais da metade dos seres humanos. As mulheres têm dado apoio grande e muitos homens também.
Quando fiz o projeto, alguns torceram a cara e disseram: "Isso é polêmico. Você é doida de mexer com artista, com massa popular". Inclusive, fico brincando, dizendo que se eles não têm compositor com inspiração para retratar a mulher de forma carinhosa, bonita, ou então, levantando nossa autoestima, levantando nossas potencialidades, eles que contratem alguém que faça. Agora, não dá para deixar circular esse tipo de coisa. Coisas horrorosas que nos desqualificam dessa forma.
Mas o projeto não impede a veiculação das músicas. Elas vão continuar circulando...
Aí, é tem a campanha de conscientização. Essa discussão tem que ir para todo mundo, para que as pessoas comecem a pensar que não se pode usar instrumentos que, ao invés de ajudarem as mulheres a conquistar sua cidadania plena, reproduzam esse tipo de preconceito, de discriminação contra a gente.
*Colaborou Eliano Jorge (TERRA MAGAZINE)

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