Para especialistas, novos Estados podem revogar preservação de áreas; Tapajós já nasceria com 73% de terras protegidas
Karina Ninni*
Os 7,5 milhões de habitantes do Pará vão decidir em plebiscito, no dia 11 de dezembro, se querem ou não a divisão do território do Estado em três. Se for aprovado, o fracionamento dará origem a duas unidades da federação: Tapajós e Carajás. O impacto econômico da divisão para a União tem sido estudado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará (Idesp). Mas poucos se debruçaram sobre o efeito ambiental do fracionamento (veja mapa acima).
"Posso dizer que a divisão deverá ser muito impactante do ponto de vista ambiental", diz o diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi, Nilson Gabas. Ele enxerga um grande problema: a quebra das unidades de conservação (UCs) estaduais.
"O que se desenha é o seguinte: um Estado recém-criado que precisa se desenvolver e imensas áreas preservadas por UCs em nível estadual – só que protegidas por um Estado que já não existe. E como vai se desenvolver o novo Estado? É provável que pela derrubada de mata e plantio de soja ou criação de gado", raciocina o diretor do museu. "Acredito que assistiremos a tentativas de revogação de UCs estaduais no Tapajós."
Segundo Gabas, na partilha o Pará deve concentrar o setor de serviços, a criação de gado e, talvez, o plantio de dendê para extração de óleo de palma. Já Carajás ficaria com a mineração e a criação de gado e Tapajós com o setor energético – o que inclui a Usina de Belo Monte e o complexo hidrelétrico Tapajós –, além da mineração, das florestas e do plantio de grãos.
Assembleias
Para o professor e consultor jurídico Cândido Paraguassú Éleres, o risco de alteração das unidades de conservação é real. "Basta que as Assembleias Legislativas mudem", afirma o jurista. "Em princípio elas não podem ser revogadas porque são atos definidos e isso poderia gerar muitas ações populares. Mas certamente os Estados poderão dar outra destinação às reservas. Até porque a mentalidade das pessoas que estão à frente dessa divisão é desenvolvimentista."
De fato, se o Pará for repartido, a maioria das suas unidades de conservação, tanto federais quanto estaduais, ficará localizada no Tapajós, que seria considerado o Estado mais verde da federação. Para ter uma ideia, 73,5% dos 732.568 quilômetros quadrados do Tapajós são áreas protegidas federais e estaduais. Dos cerca de 21 milhões de hectares de UCs estaduais do Pará, mais de 13 milhões estão na área do Tapajós.
O Pará remanescente ficaria com poucas matas. "Nós teremos fragmentos de florestas e o Centro de Endemismo Belém, região onde, de acordo com levantamento do programa Biota Pará, concentra-se o maior número de espécies ameaçadas do atual Estado", resume Gabas.
Desmatamento
Os novos Estados terão de criar políticas próprias contra o desmatamento, especialmente se houver mudanças nas UCs. O ritmo da derrubada de árvores em Tapajós dá uma boa amostra do imbróglio que se avizinha. Embora a área afetada na região até 2009 tenha sido menor que nos dois vizinhos, entre 2008 e 2009 Tapajós registrou o maior aumento da taxa de desmatamento entre os três. Ao todo foram cortados 53,9 quilômetros quadrados, segundo o Idesp.
"A taxa tem de ser relativizada por conta do tamanho da área. É preciso ver se esse impacto é maior ou menor do que aquele nos Estados já muito desmatados", explica a economista Lucia Cristina de Andrade, do Idesp.
As dúvidas provocadas pela proposta que será votada em plebiscito levaram o Goeldi a organizar um seminário no mês que vem sobre a divisão territorial. Para Gabas, além da questão das áreas de conservação, a partilha provocará falta de financiamento à pesquisa. Hoje, a Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Pará (Fapespa) recebe 1% da receita do governo.
Otimismo
O engenheiro florestal Jackson Fernando Rego Matos, professor da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), com sede em Santarém, Tapajós, discorda da avaliação pessimista feita por Gabas e Éleres. Ele coordena um grupo de estudo que avalia dados sobre a criação do Estado e nega que sua constituição represente uma ameaça às UCs.
"Isso (UCs) é nossa grande riqueza. Receberemos as áreas instituídas, falta implementá-las de fato", diz. "Como a maioria das unidades de conservação, elas não saíram do papel."
"A Floresta Nacional do Tapajós (Flona Tapajós) tem uma experiência de manejo copiada pelo Brasil inteiro. A conservação interessa muito ao novo Estado: conseguiremos manter o que já existe e até ampliar."
Tocantins
O último exemplo de divisão territorial no Brasil foi o surgimento do Tocantins, desmembrado de Goiás em 1988. "Quando a área era parte de Goiás, não existia ali nenhuma unidade de conservação estadual. Depois da criação do Tocantins foi feito um zoneamento ecológico-econômico e a identificação de áreas que poderiam se transformar em UCs", conta o biólogo e consultor ambiental Fábio Olmos. "Desse processo nasceram os Parques do Jalapão e do Cantão."
Olmos admite que, embora tenha sido exemplar do ponto de vista administrativo, a estratégia hoje sofre com problemas de execução. "A política é muito ditada pelos grandes produtores rurais e o processo de criação de novas UCs acabou ficando congelado", lamenta.
Fonte: O Estado de São Paulo
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