Em 2011 cresce o debate nacional sobre a importância de uma reforma política para nosso país e tanto no Congresso quanto na sociedade civil esse tema tem se fortalecido.
A Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN), uma organização contemporânea do movimento negro brasileiro, preocupada com este debate, apresenta nesta audiência publica da Comissão Especial de Reforma Política da Câmara dos Deputados posicionamento para garantir mudanças reais no sistema político eleitoral capaz de ampliar a participação popular, aprofundar e fortalecer a democracia no Brasil.
Alertamos para o fato de que o debate da reforma política não deva ficar restrito apenas ao Parlamento, devendo o mesmo ampliar-se para os espaços públicos, os movimentos sociais, os sindicatos, os meios de comunicação atingindo toda a sociedade dada a importância dessa discussão para o aprimoramento democrático do sistema político brasileiro.
A reforma política interessa à população negra, principalmente porque ela está sub-representada nas instâncias políticas brasileiras e esse momento é especial para aprofundarmos o debate, refletirmos, alterarmos o quadro político nacional e criar mecanismos legais e regulatórios para ampliarmos a representação política de negros e negras nas instâncias municipais, estaduais e federal.
Historicamente, o sistema político brasileiro sempre foi elitista, autoritário, censitário e excludente, o que impediu a participação dos negros, indígenas, juventude, mulheres e dos trabalhadores em geral.
Segundo o sociólogo Clóvis Moura, em sua obra “Rebeliões da Senzala”, a eleição da Constituinte de 1823 garantia os interesses das elites escravocratas e estavam “sumariamente excluídos do direito de voto, os criados, jornaleiros, caixeiros, juntamente com todas as pessoas que tinham rendimentos líquidos inferiores ao valor de 150 alqueires de farinha de mandioca”. “Para os eleitores de segundo grau, que escolhiam os deputados e senadores, exigia-se um rendimento de 250 alqueires, e para que o cidadão fosse candidato a deputado se exigia a soma de 500 alqueires e 1000 para senadores, além da qualidade de proprietário, foreiro ou rendeiro por longo prazo”.[1]
À época da Lei Áurea (1888) e às vésperas da Proclamação da República (1889), a maioria da população negra era analfabeta e desprovida de renda. O regime republicano não garantiu direitos sociais, políticos e humanitários aos negros e reafirmou sua subalternidade ao excluir do direito de voto o analfabeto.
Com as mulheres não foi diferente
Apenas na eleição para a Assembleia Nacional Constituinte de 1933 a mulher brasileira pode pela primeira vez votar e ser votada. A médica paulista Carlota Pereira de Queiróz foi a primeira deputada brasileira eleita. A segunda deputada brasileira eleita foi a bióloga e advogada Bertha Lutz. Fato inédito ocorreu em 1934, em Santa Catarina, quando a professora Antonieta de Barros foi a primeira mulher negra eleita deputada no seu estado e em todo o Brasil.
O Brasil é o país de maior população negra fora da África. Segundo o IBGE (2010), pretos e pardos, isto é, os negros e negras, representam 50,7% da população brasileira e estão extremamente subrepresentados na Câmara Federal e Senado brasileiro.
Na atual legislatura da Câmara Federal os parlamentares negros e negras são apenas 43 no universo de 513 deputados, significando apenas 8,5% das cadeiras da Câmara Federal. Nesse universo há uma maior representação dos negros e negras nos partidos políticos progressistas e de esquerda e uma menor participação nos partidos conservadores ou de direita: PT (14), PC do B (4), PSOL (2), PSB (1), PDT (3), PMDB (6), PRB (6), DEM (3), PSDB (1), PR (1), PSC (1), PTB (1). Mais grave e excludente é a participação de negros e negras no Senado. São apenas dois: Paulo Paim (PT/Rio Grande do Sul) e Magno Malta (PR/Espírito Santo).[2]
É importante destacar que a população indígena não possui nenhuma representação no Congresso Nacional.
Cabe ao Estado brasileiro reconhecer a desigualdade de condições sociais e de representação política entre brancos e não brancos e do ponto de vista de uma reforma política que institua mecanismos de equidade de gênero e raça/cor no escopo da reforma, criando condições para alcançarmos paridade entre negros e brancos e entre mulheres e homens.
A nossa defesa intransigente é para ampliar de forma paritária a presença de negros e mulheres nos espaços da política e nas instâncias de poder do país.
A nossa defesa intransigente é por uma reforma política que garanta a fidelidade partidária e o financiamento público de campanha para controlar o poder econômico responsável pela subrepresentação da maioria da população brasileira.
Uma reforma política que garanta a lista pré-ordenada com paridade de gênero e raça/cor.
O Brasil é um país de grande dimensão territorial e com enorme diversidade cultural, características que encobrem as desigualdades sociais e explicam o empobrecimento da população negra, a discriminação e o preconceito racial e inúmeras formas de intolerância sofridas nos espaços ditos “universais”, como na educação, saúde, no acesso à justiça, no mercado de trabalho, sistema de representação eleitoral e, finalmente, na invisibilidade da mulher negra em vários espaços sociais e de poder. Somos marcados pela herança da escravidão e até hoje parcela significativa da população brasileira ainda sofre com as desigualdades raciais, de gênero e classe.
É nesse contexto que a CONEN insere nessa audiência pública o debate sobre a reforma política que interessa ao Movimento Negro Brasileiro.
Afirmamos o princípio básico da igualdade como uma meta a ser alcançada pela sociedade brasileira. Segundo a nossa Constituição, o Estado deve se comprometer com a equidade de todos/as, e portanto propomos reforma política com equidade de gênero e raça/cor para a efetivação de uma sociedade verdadeiramente democrática e cidadã.
COORDENAÇAO NACIONAL DE ENTIDADES NEGRAS - CONEN
BRASÍLIA - 13 de Julho de 2011
[1] Ver Moura, Clóvis. Rebeliões da senzala - quilombos, insurreições, guerrilhas. Mercado Aberto, Porto Alegre, 1988 (1ª edição: 1959). Ver capítulo sobre eleição.
[2] Levantamento de dados realizados em 2010 pela União de Negros pela Igualdade (UNEGRO) em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) a partir de informações oficiais do TSE e na autodeclaração dos parlamentares da Câmara Federal.
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