sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Para dirigente do MNU, ministra deve se abrir ao diálogo

S. Paulo - A não consolidação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) como um verdadeiro Ministério se deveu a falta de diálogo dos seus dirigentes com o Movimento Negro, ao longo de suas gestões, e da ausência de unidade das lideranças negras para apóiá-la.

A opinião é do Coordenador Nacional de Organização do Movimento Negro Unificado (MNU), Reginaldo Bispo, para quem são estes motivos que explicam as mudanças que estariam sendo cogitadas pela Presidente Dilma Rousseff. Dilma estaria pretendendo reunir num só ministério - o de Direitos Humanos - as Secretarias das Mulheres, Direitos Humanos e a SEPPIR.

Segundo Bispo, “um apoio mais explícito a ministra Luiza Bairros, passa por sabermos quais projetos ela tem para negros e negras, bemo conhecer as reais dificuldades da SEPPIR”.

“Não tenho duvida de que a maioria do MNU e do MN brasileiro, se concordarem com os mesmos, lhe darão o apoio necessário para realizar seu trabalho e farão a defesa da continuidade da Seppir como ministério de fato e de direito“, afirmou.

Na entrevista, o dirigente do MNU falou ainda da ausência das demandas dos negros na reforma política e criticou a acomodação da militância negra partidária. "A militância está acomodada, perplexa não sabendo o que fazer. A maioria está satisfeita com seus partidos e tendências, não acreditando no protagonismo do povo organizado", afirmou.

Leia, na íntegra, a entrevista do dirigente do MNU ao editor de Afropress, jornalista Dojival Vieira

Afropress - Qual a avaliação que você faz da posição da SEPPIR e da gestão da ministra Luiza Bairros nestes primeiros nove meses?

Reginaldo Bispo - O MNU foi uma das entidades que contribuiu para a construção da SEPPIR com propostas objetivas de funcionamento, tarefas e encaminhamentos. Mesmo com críticas e divergências sobre a forma de trabalho, a centralização partidária, e a defesa da aprovação do Estatuto da Igualdade a qualquer custo e de qualquer jeito, por parte das três primeiras gestões, sempre defendemos a SEPPIR como uma conquista do Movimento Negro brasileiro.

Se não avançou o reconhecimento da SEPPIR como um Ministério, foi por falta de diálogo de seus dirigentes com o Movimento Negro, e pela ausência de unidade do Movimento quanto às tarefas da SEPPIR. Sem força, estes foram, provavelmente, os reais motivos para o não reconhecimento, pelos Governo Lula e Dilma, do status de ministério da Secretaria.

Entendemos que um apoio mais explícito a ministra Luiza Bairros, passa por sabermos quais projetos ela tem para negras e negros, bem como, conhecer as reais dificuldades da pasta para implementá-los. Não tenho duvida de que a maioria do MNU e do MN brasileiro, se concordarem com os mesmos, lhe darão o apoio necessário para realizar seu trabalho e farão a defesa da continuidade da SEPPIR como ministério de fato e de direito.

Reconhecemos que era preciso organizar a SEPPIR que, em sucessivas direções, deixou muito a desejar, pelo amadorismo e o tendenciosismo partidário daquelas gestões.

Ultimamente a ministra somou dois pontos valiosos, nas ações de cobrança da retirada da propaganda da Caixa Econômica e na cobrança de suspensão de distribuição do livro racista do Monteiro Lobato, ao ministro da Educação.

É notadamente sabido que os ministérios sociais são reflexo das escolhas que o Governo faz. O
Governo Dilma apostou na relação com as mineradoras, o agro negócio exportador de commodities, nas empreiteiras, na industria automobilística, naval, de aeronaves e de eletro-eletrônicos, de maior valor agregado que usam alta tecnologia, de modo a  gerar os impostos e a captação de divisas internacionais, em dólares, que equilibrem a balança comercial e um mínimo de funcionamento do Governo, na crise.

É este o  interesse dos políticos e do Estado. Não com o número de bons empregos e salários de qualidade, nem com a qualidade de vida e o bem estar dos brasileiros.

Na outra ponta, o corte de R$ 80 bilhões, podendo chegar a R$ 100 bilhões até dezembro, resultarão em cortes nas políticas sociais e de serviços públicos de toda ordem. Há quem diga que já falta papel higiênico e cafezinho em alguns ministérios. Que dizer de funcionários, leitos e remédios na saúde, de melhores salários, contratação de profissionais e de melhoria nos equipamentos na educação, na cultura, esporte e lazer para nossos jovens.

O Governo investe em policia e repressão, não cumpre a lei na titulação dos territórios quilombolas. Não executa o parco orçamento na desapropriação e retirada de grileiros, posseiros, latifundiários e seus jagunços que invadem as terras, que ameaçam e matam lideranças quilombolas. Não combate, aplicando a lei, as desigualdades, os crimes racistas da policia e das elites oligarcas brancas. Pensando e agindo apenas para o gasto marqueteiro na próxima campanha eleitoral.

Ao contrário, investem em grandes eventos turísticos como as Olimpíadas e a Copa do Mundo, desalojando comunidades pobres, para agradar interesses econômicos do turismo, hoteleiros e imobiliários para minimizar as perdas inevitáveis com a crise que se avizinha. Já que os cidadãos do mercado interno, respondendo ao chamado de Lula em 2008/9/10, se endividaram no limite para os próximos cinco, dez, vinte anos, não podendo, sem o risco de um calote geral, se endividar mais, a pedido de Dilma.

Portanto, a SEPPIR, o Ministério das Mulheres, dos Direitos Humanos, permanecem com pouco orçamento, pouca influência e visibilidade, pela própria especificidade sofrem mais pressão ideológica da parte de todos os setores políticos, dentro e fora do Governo, mas também, são naturalmente os mais demandados, no sentido dos resultados, pelo público específico, na medida das necessidades e expectativas criadas, desagradando setores que almejam sucedê-los no posto, e que, possivelmente, não fariam melhor.

Creio que aos nove meses de mandato, a ministra Luiza Bairros deve ter prontos seus projetos para apresentar para a sociedade. Esperamos que o faça, ou mobilize os movimentos negros e aponte as dificuldades. É preciso que saibamos a verdade.

Afropress - Como você vê a ausência total de propostas que contemplem a população negra no projeto de reforma política em discussão no Congresso?

Bispo - A militância negra de um modo geral perdeu o foco, está perplexa, despolitizada, todos crêem saberem tudo, no entanto, poucos sabem o que deve ser feito, ou o que é fazer a coisa certa. "Estamos por nossa própria conta", ninguém irá fazê-lo por nós, senão nós mesmos.

Há os que estão satisfeitos com a discussão de seus partidos e tendências, como há outros que se acomodaram, entendendo que isso não é discussão para a militância, para o povo, aguardam que deputados e senadores decidiam. A maioria, no entanto, não sabe o que fazer.

O MNU tem feito essa discussão no processo das lutas concretas do dia a dia contra o racismo, na defesa da titulação dos territórios quilombolas, na luta contra o genocídio da juventude negra, na defesa das cotas, na implantação da lei 10.639, na luta contra a intolerância religiosa, em nossos artigos, nos debates públicos e internos.

Afropress - Qual a reforma política que atenderia as aspirações da população negra brasileira?

 Bispo - Uma reforma ampla que realmente democratize as eleições no Brasil, onde trabalhadores, negros e pobres votam, mas não podem ser votados. A corrupção dos políticos inflacionou os pleitos, custando uma fortuna a eleição de vereadores, deputados, prefeitos, senadores, governadores e presidente, inviabilizando candidaturas populares.

Hoje o mandato é uma empresa pessoal do parlamentar, ao ponto que começam a surgir influência e controle dos currais por novas famílias e oligarquias, até no PT.

As eleições no Brasil devem ser gerais, elegendo todos os cargos ao mesmo tempo. Isto diminuiria os custos das eleições para o Estado, e acabaria com a paralisação de Parlamentos e Executivos, acabando com campanhas eleitorais, ano sim, ano não, obrigando os políticos cumprir ou terminar seus projetos ou mandatos, impedindo se lançarem a cargos superiores sem completar o anterior. Obrigaria os políticos fixarem-se no objetivo de sua preferência, concluindo os  mandatos e acabando com a aventura e propriedade que é a carreira política.

O Parlamento no Brasil deve ser unicameral. O Senado, casa de luxo, muito caro aos cofres públicos deveria ser abolido, mantendo somente a Câmara de deputados, eleitos proporcionalmente às populações dos Estados. O número de deputados e vereadores nas Câmara Federal, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais deve ser menor. Há muitos parlamentares, muito gasto, para pouco resultado.

O financiamento das campanhas deve ser público, igual para todos os candidatos, sem favorecimento dos mais ricos, famosos, ou proprietários de partidos. Os gastos de campanha devem ser rigorosamente fiscalizados pela Justiça Eleitoral, pelo Ministério Público pelos partidos e pelos próprios candidatos.

Evidências de quaisquer financiamentos particulares e ilegais, uma vez comprovadas, devem ser punidas com a cassação das candidaturas ou mandatos. É necessário uma legislação que impeça a eleição, que casse mandatos e venha banir da vida e do serviço publico, políticos, funcionários e autoridades corruptos, bem como o confisco e seqüestro de bens adquiridos ilegalmente. 

Acabar com o fórum privilegiado para parlamentares, prefeitos, governadores, senadores e presidentes. Adoção de cotas proporcionais, nos partidos, para candidaturas negras. Adoção de uma rigorosa de fidelidade partidária. Adoção da Inscrições de listas de candidaturas avulsas, pelos movimentos sociais, como ocorre na Venezuela e na Bolívia. Reserva de vagas e representação direta de indígenas e quilombolas, eleitos por seus pares, pondo um fim ao monopólio de apresentação de listas de candidatos, pelos partidos, reconhecendo o caráter democrático, pluriracial e multicultural da nação brasileira.   

É preciso instituir formas de revogação de mandatos em caso de má gestão, corrupção ou de crimes contra a cidadania e os interesses públicos. Os salários e vantagens dos parlamentares devem ser mais condizente com a realidade do povo brasileiro. Deputados, senadores e vereadores determinam seus próprios salários, na maioria das vezes superior a seus pares nos EUA e na Europa.

Seria o Brasil e os brasileiros mais ricos que os americanos e os europeus? Seriam os parlamentares brasileiros mais eficientes? Que outros trabalhadores podem fazer isso?

O direito à reeleição deveria ser limitado, em um para todos os cargos, não só para os Executivos. Nada justifica, as vantagens dos mesmos e as reeleições infinitas. A política deve ser para servir e melhorar a vida do povo, não para se servirem dele, enriquecendo, como faz a maioria dos nossos mandatários.

Candidaturas avulsas, numero de reeleições, limites salariais,  montante das vantagens para políticos, bem como, de revogação de mandatos, deveriam ser decididos em consultas populares e plebiscitos aos eleitores.
                                         
Afropress - Como o movimento deve se posicionar para garantir posições nesse debate?

Bispo - Temos que aproveitar o momento, organizar nossos próprios debates em conjunto com outros movimentos sociais; participar dos fóruns populares colocando nossas reivindicações; exigir que os deputados em quem votamos manifestem suas opiniões; escrever artigos com nossas opiniões para listas, sites, blogs, jornais e revistas, e acima de tudo exteriorizar nossas proposições sem medo. Convocar audiências publicas nos Parlamentos e realizar Atos públicos onde os setores populares expressem as suas reivindicações. Este é o papel da militância negra e das esquerdas.

Afropress - Como é possível explicar o silêncio do movimento negro em relação a polêmica em torno do parecer relatado pela professora Nilma Lino, do CNE, no caso do livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato?

Bispo - A militância está acomodada, perplexa não sabendo o que fazer. A maioria está satisfeita com seus partidos e tendências, não acreditando no protagonismo do povo organizado. Uma pequena parte de abnegados lutadores do Movimento Negro tem que tratar de um leque tão grande de tarefas, não dando conta de todas as questões, precisando priorizar as mais prementes.

Temos representantes dessas posturas em todos os movimentos, inclusive e, infelizmente, na nossa organização. O MNU, contudo, se aplica na preparação do seu Congresso Extraordinário de Reestruturação e correção de rumo, em dezembro, na defesa da titulação dos territórios quilombolas e na luta contra o genocídio da juventude negra. Este foco nos é muito caro!

Afropress - Faça as considerações que considerar pertinentes.

Bispo - As ideologias partidárias têm importante papel na disputa do poder, na democracia. Devemos nos perguntar primeiro: Pra que, e como? Para entrar em um partido é preciso ter a consciência e o compromisso de um projeto político e ideológico que possa beneficiar nosso povo.

É preciso estar organizados para disputar a correlação interna de forças, do contrário, apenas viabilizaremos projetos pessoais, usados como massa de manobra para viabilizar projetos dos racistas e das elites, contra nós mesmos. Agradeço a oportunidade e o espaço. (AFROPRESS / Foto: Google Imagens)

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