Juíza participa da Flica e debate ‘História e Negritude’ no mundo.
‘Cotas para concursos foram lançadas por mim’, diz a juíza Luislinda Valouis.
'O Brasil ainda precisa mudar com relação aos
seus negros', diz juíza (Foto: Divulgação)
A primeira juíza negra do Brasil, a baiana Luislinda Valouis, participa da mesa de discussão “História e Negritude”, na primeira edição da Festa Literária de Cachoeira - Flica, na sexta-feira (14).seus negros', diz juíza (Foto: Divulgação)
A partir das 10h, a juíza divide a palestra com o historiador Joel Rufino e a escritora Ana Maria Gonçalves, na Praça da Aclamação Conjunto do Carmo, em Cachoeira, Recôncavo Baiano. O encontro será mediado pelo diretor teatral Márcio Meirelles.
Em entrevista ao G1, Luislinda Valouis falou sobre o início da carreira, as dificuldades que enfrentou e da importância da Flica para a Bahia. Valouis é hoje juíza substituta do Tribunal de Justiça da Bahia. Em 2009, publicou o livro “O Negro no Século XXI” (Juruá), em que apresenta artigos sobre educação, cultura, trabalho, justiça social, políticas públicas, religião, lazer e esporte, dentre outros assuntos. Atualmente ela finaliza dois novos livros, “Mediação e Conciliação” e “O Negro, os Poderes e os Poderosos do Brasil”.
G1- Na opinião da senhora qual a situação do negro na Bahia e no Brasil hoje?
Mudou pouca coisa. Ainda hoje não encontramos negros ocupando lugar de destaque dentro do sistema nacional. Nós não temos ministros negros, procuradores negros, embaixadores negros. Falta ainda ocupar esse espaço. Médicos negros também são poucos. Em termos de periferia, nós continuamos do mesmo tamanho, não mudou nada. Falta lazer, trabalho, educação, saúde, e por aí vai, ainda tem muita coisa para ser feita.
Claro que já se conseguiu alguma coisa, mas ainda temos o menor salário, nós ainda não temos executivos negros, apesar de sabermos que temos negros excelentemente competentes. Tudo é muito bom enquanto o poder não é para ser dividido com os negros.
Agora, quando é para dividir com os negros a situação fica mais difícil. Por que isso acontece? Porque o branco tem carta e o negro tem cota para receber a chibatada. Ainda continua dessa forma. O Brasil ainda precisa mudar em relação aos seus negros. Ainda temos uma situação de submissão.
G1- O que você acha do sistema de cotas para negros em concurso e vestibulares?
As cotas para os concursos foram lançadas por mim. O que eu observo nos lugares de destaques, nos concursos, é que enquanto a prova é escrita, o negro tem oportunidade. Mas se for o caso da prova oral, ou da exibição de “fotografias”, o negro é sempre inferiorizado. Eu sou favorável às cotas, mas não é nada eterno porque senão fica parecendo que é esmola e nós não queremos esmola. Eu atuei muito aqui na Bahia para as cotas.
G1- A palestra da senhora na Flica é sobre História e Negritude, como vai ser a discussão e como foi o convite para participar do evento?
Sobre o convite, eu achei gratificante e achei também que é o momento de levar ao público a situação atual do negro no Brasil e também no mundo. Até porque escrevi um livro, “O Negro no século XXI”, no sentido mais genérico possível. Aceitei o convite, é um desafio, mas eu estou super disposta a me submeter a esse desafio.
Espero que eu consiga agradar a todos que estiverem nos assistindo. Digo ‘nos’ porque a Flica virou um evento mundial, e não somente baiano, nem nacional. Eu tenho certeza que vou agradar a todos, como sempre tem ocorrido. Eu me proponho a fazer as colocações e, segundo a administração do evento, depois será aberto para as indagações que as pessoas que estiverem presentes formularem. Estou pronta para responder a tudo. Por mais difíceis que sejam as indagações da minha vida pessoal, da história do negro baiano, do negro brasileiro ou do negro internacional.
G1– No meio jurídico a senhora é bastante respeitada. Como é essa relação?
Sim, não podia ser de outra forma. A ninguém é dado o direito de errar. Nós brasileiros temos que obedecer às normas legais. Ao negro muito menos [o direito de errar], o negro não pode ser delinquente porque antes dele ser julgado, ele já está condenado. Temos que ser respeitados, a gente tem que se impor, ser humilde. Eu digo sempre que nada mais sou do que uma funcionária pública que tem um salário melhor, sou paga pelos cofres públicos. Agora, tenho uma responsabilidade muito grande. O que Deus nos ensinou é que devemos respeitar a tudo que ele deixou no mundo, do menor animal ao ser humano. Então, todos esses merecem meu respeito, meu carinho e minha atenção, com tanto que eu tenha a reciprocidade. E isso eu tenho tido.
Eu me formei aqui na Bahia e logo em seguida abriu um concurso para procurador federal. Eu passei em primeiro lugar e me deram duas opções porque não era o meu lugar, disseram eles. Deram [o cargo] para alguém que tinha alguma proteção. Me deram duas alternativas: ir para Sergipe ou para o Paraná. Respondi que se era para eu ir embora eu ia logo para o Paraná. Fui, mas Deus sempre é meu protetor. Chegando lá, o procurador chefe se aposentou e eu fui ser chefe da procuradoria no Paraná. Passei uns 5 a 6 anos no Paraná. Voltei para cá já aprovada como magistrada e assumi a minha primeira comarca, que foi Paramirim. Outras comarcas no entorno estavam desprovidas e eu assumi todas, como Macaúbas e Brotas de Macaúbas.
G1- Para você qual a importância desse evento para a Bahia?
Eu costumo dizer que tudo que envolve afrodescendentes vem com força total e proteção de todos os orixás. E quando se busca alguma coisa em favor do negro, os orixás se manifestam. E tem Deus, que é um só. Acho que esse evento veio para marcar presença, é muito significante para a Bahia. Até para que nós criemos o hábito de ler. O baiano ainda lê muito pouco. Eu tenho um projeto que eu saio colocando livros nos pontos de ônibus, para que as pessoas saibam que o livro é bom. Somente lendo, participando desses momentos, dessas palestras é que nós vamos entendendo o que é a Bahia, o que é o Brasil, o que é o mundo. Porque se nós nos enclausurarmos na época da cibernética, nós vamos ficar sozinhos. O mundo está girando em uma velocidade inimaginável. Esse projeto [dos livros em pontos de ônibus em Salvador] eu já exercito. (G1)
Branco tem carta? Não entendi.
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