A capacidade criativa desses coletivos de desenvolvedores de tecnologia precisa ser incentivada, pois pode nos gerar inovações importantes
À medida que o acesso à internet se torna realidade em todas as camadas sociais, milhões de novos usuários desfrutam de suas facilidades e de seu potencial transformador. Ao mesmo tempo, aumenta a dependência da sociedade em relação à rede. Atualmente, mais de um terço das operações financeiras são feitas de modo virtual, e serviços essenciais de energia, de trânsito e de comunicações dependem cada vez mais dela.
Esses setores podem sofrer ataques cibernéticos com consequências imprevisíveis, e também o Estado brasileiro precisa se precaver. Por isso, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e o Ministério da Defesa estão trabalhando juntos para o desenvolvimento de tecnologias que permitirão prevenir, defender ou restabelecer serviços essenciais afetados por ataques dos chamados crackers.
Os crackers são criminosos, muitos dos quais nem mesmo sabem programar, sendo usuários avançados de softwares que não necessariamente desenvolveram.
Já os hackers são decifradores, desenvolvedores de softwares e hardwares que permitem adaptação ou construção de novas funcionalidades. Em geral, são jovens autodidatas e criadores de soluções inovadoras para a utilização de tecnologias da informação.
Quase todas as relações sociais existentes na sociedade existem na rede, inclusive os crimes. No entanto, não podemos iniciar um processo de cerceamento das liberdades na internet e de criminalização generalizada por episódios localizados, ainda que preocupantes, tampouco contribuir para simplificar o significado do movimento libertário e transformador que representa a comunidade hacker.
Esse movimento começou nos anos 1960, influenciado pela contracultura. O sociólogo Manuel Castells, em seu livro “A Galáxia da Internet”, deixou claro que a cultura hacker foi uma das formadoras da internet. A rede mundial de computadores não era o único modelo de rede digital. A França possuía a rede Minitel, completamente centralizada e fechada.
Já a internet tem sua inteligência distribuída, é completamente aberta, o que permite que hackers continuem criando soluções inovadoras, como as redes P2P, (do inglês “peer-to-peer”), sistema que permite o compartilhamento de informações conectando dois clientes e transformando o cliente em servidor e vice-versa. Isso a consolidou como uma rede sem centro, sem dono, cuja inteligência encontra-se nas máquinas dos usuários.
A experiência e a genialidade dos criadores de códigos não podem ser ignoradas. No início de julho, estive no Fórum Internacional de Software Livre, em Porto Alegre. Temos jovens desenvolvendo ciência e tecnologia fora da academia e das grandes empresas, hackers éticos que querem mais transparência e participação na relação com o Estado.
A capacidade criativa desses coletivos de desenvolvedores de tecnologia precisa ser reconhecida e incentivada, porque ela pode gerar inovações importantes para o nosso país. Felizmente, a ciência comunitária e as tecnologias livres avançam, contribuindo para derrubar ditaduras e o pensamento conservador e preconceituoso.
Agora, no Brasil, a cultura hacker terá o apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Estamos desenvolvendo um conjunto de políticas públicas para que essa promissora comunidade possa contribuir para o desenvolvimento de novas tecnologias e soluções para a sociedade.
Aloizio Mercadante é doutor em economia pela Unicamp, é ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação.
(Texto publicado na coluna Tendências/Debates do jornal Folha de S. Paulo, edição de 11/08/2011 e www.pt.org.br)
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