terça-feira, 18 de outubro de 2011

Matéria Especial: Segunda chance

Entre muitos “nãos”, ex-detentos enfrentam dificuldades para obter trabalho. Com a ajuda de programa do CNJ e busca de apoio religioso na IURD, alguns refazem a vida fora do crime

Da redação
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Conquistar uma vaga no mercado de trabalho quando não se tem qualificação nem experiência é difícil. Imagine então se, aliada ao despreparo, esteja uma ficha criminal. Para pessoas nessas condições, a busca por um emprego parece um sonho distante. A triste realidade de quem passa anos atrás das grades e depois vê as portas do mercado de trabalho se fecharem contribui para a alta taxa de reincidência entre presos brasileiros. Por falta de oportunidade, 70% deles retornam à criminalidade depois de saírem da prisão.  Hoje 500 mil pessoas cumprem pena por algum tipo de crime no Brasil, segundo o Ministério da Justiça. Para esses brasileiros, as perspectivas são sombrias do lado de cá dos muros dos presídios. A falta de políticas  de capacitação e incentivo de emprego tornam os egressos eternos prisioneiros de seu passado.

Após passar 8 anos preso por furto e assalto a mão armada, o paulistano Eduardo Tadeu Fonseca, de 34 anos, enfrentou grandes dificuldades para achar emprego. “Não tinha estudo, não sabia fazer nada, quem iria me contratar? Nenhuma empresa quer como funcionário um cara fichado. Esse é o martírio do preso. Quando sai, ninguém dá chance. A gente fica sem opção e acaba voltando para o crime”, diz. Nos presídios onde esteve, Fonseca trabalhou na montagem de canudos, espetos para churrasco e aprendeu a costurar bolas. “Estudei um pouco também, mas nada foi suficiente. Só fui até a 5ª série”, conta.

Depois de tentativas fracassadas de encontrar um trabalho com carteira assinada, ele optou pela informalidade, para sustentar a família. “Durante um tempo trabalhei numa barraca de frutas de um amigo. Ganhava R$ 80 por semana. Isso mal dava pra comprar o gás em casa. Não dava pra viver”, lembra. Por esse motivo, Fonseca afirma que ainda praticava delitos. “Você vê os seus amigos de tênis importado, sua mãe passando necessidade e você sem nada, sem emprego. Daí vêm os conhecidos das ‘antigas’ te chamando para fazer um rolo, para ganhar dinheiro fácil e você vai”, afirma. Ele conta que só conseguiu se recuperar quando começou a trabalhar na ‘feirinha da madrugada’ do Brás, bairro de comércio popular em São Paulo. Hoje, 6 anos após deixar a prisão, Fonseca é dono de um estande numa galeria do bairro. “Vendo sacolas e carrinhos para o pessoal que vai comprar roupas nas lojas”, comemora.

Para tentar atenuar o problema, o Governo federal, através do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), implantou no fim de 2008 o programa “Começar de Novo”, que tenta sensibilizar empresários para que forneçam postos de trabalho para presos e egressos. Os empregos são oferecidos através do site do CNJ e são divididos por estado, cargo e número de vagas (veja mapa acima). Segundo a assessoria de comunicação do Conselho, até hoje foram cadastradas 5.068 vagas de emprego. Dessas, 1.881 foram preenchidas e hoje 2.655 estão disponíveis. Os empresários que contratarem presos receberão benefícios fiscais, mas como o programa é baseado na Lei de Execução Penal, não são previstos incentivos com relação à contratação de egressos. “Benefícios financeiros só há para quem contratar detentos. O benefício para quem contratar um egresso é o social. Menos uma pessoa na rua que pode cometer crimes”, disse o CNJ, por meio de sua assessoria. O Projeto de Lei 729/2011, em trâmite na Câmara dos Deputados, prevê benefícios fiscais às empresas que contratarem ex-detentos. O projeto está agora em análise na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público.

Flávia Novaes, assistente social do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), que atua em defesa dos direitos dos cidadãos, destaca que existe muito preconceito quando o assunto é empregar um recém-saído da prisão. “A maioria das empresas pedem atestados de antecedentes criminais. Algumas limitam a contratação por tipo de crime. Se a pessoa respondeu por porte de armas, para as empresas, é mais interessante do que se a pena tiver sido por roubo”, afirma. Além disso, segundo Flávia, a baixa qualificação da população carcerária é mais um agravante. “A maioria não concluiu o ensino fundamental e a experiência que o egresso adquire na prisão quando trabalha é mínima. A maioria dos trabalhos oferecidos nas unidades prisionais é de manual e artesanal, que pouco agregam no mercado de trabalho”, completa. “A chance de ser integrado ao mercado de trabalho seria maior se ele estudasse, já que a maioria dos egressos não tem ensino fundamental completo. Mas, quando há oferta de trabalho e escola, os horários são inconciliáveis porque não há cursos à noite e, até por sobrevivência, eles optam por trabalhar”, aponta.

Medo do “não”

Dos 24 anos que tem, Rogério Gonçalves passou 5 atrás das grades, cumprindo diversas penas em diferentes momentos, e menos de 6 anos na escola. “Sempre que saía, procurava emprego, mas ninguém dava uma chance. Daí, voltava para o crime”, conta. Há 4 anos livre, Gonçalves só conseguiu preencher uma vaga depois que um amigo o indicou e a dona da empresa resolveu lhe dar a oportunidade. A empresa prestava serviço de terceirização numa multinacional que depois de um tempo, graças ao empenho de Gonçalves, resolveu contratá-lo. Até esse momento, a empresa não sabia que ele era um ex-preso. “Quando descobriram, queriam desistir da contratação. Nem me deram oportunidade de conversar, mas a minha ex-chefe lutou por mim e fui contratado”, diz. “A sociedade faz o cara voltar para o crime. Para a maioria das pessoas você sempre será ex-preso. Tem que perseverar. Você vai ouvir vários nãos”, afirma.

Morys de Jesus, de 26 anos, também contou com uma indicação para conseguir o primeiro emprego formal após cumprir pena por roubo. Ele diz que nos primeiros meses sentia a desconfiança do patrão. “Tinha que aguentar,  precisava do trabalho. Infelizmente, mesmo quando você anda certo a sociedade te encara com preconceito”. Para Jesus, o principal incentivo para abandonar o crime foi o nascimento do filho e uma carta enviada pela mãe da criança, quando ela estava grávida de 6 meses. “Ela dizia: ou eu me emendava ou me afundava de vez e aquilo bateu em mim.” A integração a um grupo de jovens e a conversão religiosa também foram decisivas. “O grupo de jovens me deu uma vida em sociedade. Por que eu não pensava em jogar bola, fazer outras coisas que não fossem relacionadas ao crime? E a fé me deu forças para superar o medo de ouvir ‘não’. Eu não tinha coragem de pedir um emprego, sabendo que tinha passagem. Esse medo era tanto que me tirava a oportunidade de ouvir ‘sim’”, analisa.

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