segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Trânsito que mata

Famílias vitimizadas por motoristas alcoolizados ou imprudentes cobram punições mais severas para crimes de trânsito

Kátia Mello
katia.mello@folhauniversal.com.br


Miriam Baltresca, de 58 anos, e sua filha Bruna Baltresca, de 28, foram mortas esmagadas na calçada, em frente a um shopping center de São Paulo, em 17 de setembro, por um motorista fora descontrolado. O episódio foi o mais recente de uma série de homicídios envolvendo imprudência e comportamentos irresponsáveis no trânsito. Uma rotina de violência e falta de cuidado com a vida que o Brasil não aceita mais, como ressalta Rafael Baltresca, o engenheiro elétrico e palestrante motivacional que perdeu a mãe e a irmã atropeladas. “São necessárias leis mais rígidas, mais firmes. Isso serviria para reduzir o número de bêbados ao volante. Quando a pessoa bebe, há a intenção de beber. Ninguém a obriga, ela  bebe porque quer. Se ela pega o carro depois e corre, também foi porque quis. Logo, ela deve ter plena consciência de que, se fizer isso, pode matar alguém e deve assumir o risco e a consequência de sua imprudência”, diz Baltresca. Indignado, ele se uniu à mobilização nacional de parentes de vítimas por mudanças na legislação. As principais bandeiras defendidas por quem perdeu amigos ou familiares no trânsito são o combate à combinação ainda comum de álcool e direção, e a redução dos limites de velocidade. Não são raros os casos de excesso de velocidade entre os motoristas homicidas.

Quando foram mortas, mãe e filha não tiveram chance de escapar. O velocímetro do Golf preto que atingiu as duas travou em 100 km/h. É provável que o carro estivesse até mais rápido, dado que antes de subir na calçada e bater, ele derrapou e freou. O limite de velocidade na via em questão é de 70 km/h. Além de estar bastante acima da velocidade máxima permitida, há suspeita de que o motorista, o bibliotecário Marcos Alexandre Martins, de 33 anos, estivesse bêbado na hora em que perdeu o controle do carro. Segundo policiais que o resgataram do que sobrou do veículo, ele se recusou a fazer o teste do bafômetro e estava notadamente alcoolizado.

Martins foi acusado de homicídio doloso (quando há intenção de matar) e está preso, mas pode responder em liberdade. Se julgado culpado, pode pegar de 6 a 20 anos de prisão. “O delegado do caso entendeu que há dolo (quando a morte é resultado de um ato consciente). Quando a pessoa assume a direção alcoolizada, ela está assumindo o risco eventual de matar ou morrer; logo, deve ser presa. Na teoria, funciona assim. Mas, na prática, cada delegado interpreta o que quer ou não há provas contra o criminoso, como um exame que prove alcoolemia”, explica o advogado Bruno Campos, especialista em casos de vítimas de trânsito.

“A partir do momento em que você não dá valor a um item de segurança, como colocar o cinto ou dirigir em plena consciência, já está começando um acidente. Quando você acha que conhece bem o caminho de casa e a potência do seu automóvel e, por isso, decide correr, isso já é uma maneira de induzir o acidente, porque começa o desleixo e o descaso e toda a série de pequenos erros que o motorista nem repara que está cometendo porque se sente no controle da situação. Não é simplesmente um acidente quando uma pessoa mata outra ou dirige bêbada. Ela sabe que está colocando a própria vida e as demais em risco quando toma uma atitude imprudente”, defende Baltresca.

“Quantas vezes você escutou um amigo falando ‘quando eu bebo, fico mais cuidadoso’? Não se pode aceitar. Quando uma pessoa pega uma arma e atira em alguém na sua frente, isso faz de você uma cúmplice dela. Se um amigo pega a chave do carro alcoolizado e você não fala nada, está sendo conivente com aquela situação. Se ele se matar ou matar alguém, você passa a ser cúmplice. A conscientização começa em casa e em nossas rodas de amigos. Tem que conversar sobre o assunto, não deixar as pessoas pegarem carros nessa situação”, afirma Baltresca.




Outro caso recente envolvendo imprudência e falta de cuidado com a vida foi o da morte do administrador de empresas Vitor Gurman, de 24 anos. Assim como as mulheres da família Baltresca, ele foi morto na calçada de seu bairro sem chance de se defender. Um jipe Land Rover blindado, avaliado em R$ 300 mil, capotou em cima dele em alta velocidade,   numa rua cujo limite era 30 km/h. A nutricionista Gabriela Guerrero Pereira, de 28 anos, que estaria ao volante, estava  alcoolizada segundo laudo da perícia. Diferente de Martins, porém, mesmo tendo 26 multas em sua Carteira Nacional de Habilitação, ela conseguiu responder por homicídio culposo (sem intenção de matar), beneficiada por uma decisão do Supremo Tribunal Federal.

“A legislação brasileira permite esse tipo de brecha porque é feita, ou malfeita, para beneficiar ricos, que podem pagar bons advogados, e punir pobres”, aponta o médico  Mauro Augusto Ribeiro, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego.  “O álcool altera uma série de fatores no corpo, o primeiro deles é a incapacidade de avaliação de risco, que aparece logo na primeira dose”, completa o médico.



Além de tentar reverter a decisão e pressionar pela punição pela morte de Gurman, os familiares do rapaz criaram o Movimento Viva Vitão, pedindo mais prudência e tentando prevenir novas tragédias. Enquanto muitos seguem bebendo e dirigindo de um jeito irresponsável, famílias se mobilizam por mudanças e começam a dar direção para um trânsito mais seguro e responsável.

Nenhum comentário:

Postar um comentário